terça-feira, 6 de maio de 2014

Hitler e ódio aos judeus. Origem, construção e sustentação

Por Heloísa Helena da Silva

Dizem que numa aldeia alemã nos anos 30, o povo tinha o próprio conceito do que era Nacional-Socialismo: achavam que o Nazismo tinha ligação com pureza e que sua característica era a rejeição sexual. Os idosos desta aldeia diziam que era muito rígido. Apesar desta observação, este grupo de aldeões nunca mencionou nada a respeito sobre o sonho nazista de criar, através da pureza, um mundo mais harmonioso de acordo com suas concepções. O Nazismo colocava como base de suas ideias que o mundo estava em decadência e que esta decadência destruiria o mundo. Segundo os Nazistas, esta era a origem de tudo que ameaçava destruir o mundo. Os Nazistas tomaram para si a responsabilidade de erradicar, através da purificação, a origem de todo mal que assolava o mundo. Assim surgiria uma nova Alemanha, mais fortalecida e bonita.

Assim, com imagens de paisagens bucólicas, quase líricas, o documentário Arquitetura da Destruição inicia a dramática trajetória de um homem movido pelo ódio aos judeus e como este sentimento nasceu, foi construído e se manteve tão forte durante tantos anos.

Origem

O Dia das Artes em Munique, em 1939, talvez seja o marco, para possibilitar a origem, a ideia que iria ajudar Hitler a construir o cenário de ódio que perdurou por muito tempo. Foi a última manifestação artística do Terceiro Reich. Seis semanas após o Dia das Artes começaria a II Guerra Mundial. Artistas e governantes da época acreditavam que as artes demonstravam exatamente o que o povo almejava: a beleza mais pura. Esta beleza pura podia ser traduzida para um mundo, para uma Alemanha, em que a doença, o homossexualismo e a vida cigana não poderiam ser tolerados. Estas ideias contavam com apoio de vários artistas, principalmente os frustrados, em sua maioria no comando do Terceiro Reich. A começar por Hitler, pintor frustrado que tinha o sonho de ser arquiteto. Junto com ele podemos destacar Goebbels, escritor de romances, peças e poesias, Alfred Rosenberg, pintor, escritor e ideólogo do partido e Von Schirach, poeta e líder da juventude hitlerista.

Hitler manteve seu sonho de ser um grande artista até 1920. Pintava aquarelas. Quando precisou se dedicar à guerra declarou “Como eu gostaria de trabalhar com arte”. Esperava que assim que terminasse a guerra voltasse ao seu antigo sonho de ser um grande pintor. Hilter chegou a ser recusado na Academia de Arte de Viena, quando tinha 18 anos. Na cidade de Viena Hitler frequentou óperas e participou de alguns projetos artísticos.

Três anos antes Hitler viveu uma experiência marcante e decisiva. Em Linz, sua cidade natal, assistiu a ópera “Rienzi”, de Wagner. A ópera se passa na Roma Medieval (Roma foi marcada pelo grande império e esquema tático de guerra). Rienzi, porta-voz do povo se coloca contra à aristocracia. Seu sonho é restabelecer a antiga república, mas é derrubado ao final. Hitler fica profundamente comovido com Rienzi e a partir deste momento começa a traçar um plano para o povo da Alemanha a partir de três elementos: Cidade de Linz, na antiguidade e em Wagner, cujo trabalho político era admirado por Hitler e passou a ser seu ídolo.

Construção

Hitler assumiu ideias de Wagner como o antissemitismo, com o mito do sangue puro, a ideia de arte para uma nova Alemanha, mais pura e bonita. Tendo como pilares a propaganda e as artes, Hitler concebeu desde os uniformes até os estandartes, fortalecendo a marca através da identidade visual e associando à ideia de poder. Hitler criou também a insígnia do Partido em 1923. Já no comando do Partido, em 1933, o líder nazista é levado para todos os locais da Alemanha. Os comícios, que eram de proporções grandiosas, passaram a ser uma constante. As apresentações apoteóticas passaram ser uma importante ferramenta de propagação das ideias e fixação dos valores do Führer, pois a massa, o povo, era visto como essencial na solidificação do pensamento de purificação nazista. Para esta multidão deram o nome de “Corpo do Povo”, pois a massa era vista como o sistema circulatório do corpo, propagando por toda a Alemanha as bases do pensamento nazista.









Toda essa agitação toma conta da Alemanha. O Partido, toda organização e, principalmente, os artistas invadem com suas ideias o coração e a mente do povo, iniciando uma verdadeira “faxina” do pensamento alemão. Artistas exigem que todo material artístico contrário à nova ideia de uma Alemanha pura com ideais de raça do nazismo, fosse queimado publicamente. Eles chamavam de “arte degenerada” toda manifestação artística contrária à nova ideologia e que seguisse a cultura bolchevique. Em 1928, Rosenberg funda a primeira organização cultural nazista, que adota posteriormente o nome de Defesa da Cultura Alemã. Esta organização tinha como principal plataforma de ofensiva a higienização da arte moderna. Tudo que fosse considerado feio, deformado, depravado e fora dos padrões convencionais de beleza da época devia ser repelido, banido e expurgado. Este tipo de arte, na visão dos nazistas, representava a doença e peste que os artistas “degenerados” e “pervertidos” carregavam. Inúmeros artistas e suas obras são, a partir deste momento, considerados uma calamidade que ameaça o futuro da Alemanha. Na visão dos nazistas, a propagação desta “calamidade” tinha um grupo responsável: os judeus. Rosenberg ao tratar temas envolvendo os judeus trouxe, o que talvez estivesse apenas como um pensamento, um sentimento concretizado de não aceitação da comunidade judaica, o que posteriormente provocaria e reforçaria a necessidade da atenção mais severa a este grupo que ameaçava o pensamento alemão e desenvolvimento da nação.

Sustentação

Um dos membros mais influentes neste pensamento de “higienização” defendida pela Organização foi Paul Schultze-Naumburg, teórico que levou por toda Alemanha suas ideias e, para fortalecer este pensamento, apresentava também, em suas palestras imagens de deformados que saíam em revistas médicas, salientando a “degeneração” dos artistas e grupos que estavam em posição contrária ao pensamento do comando nazista. A beleza nas obras era uma forma de apresentar a importância da pureza de raça e para isso era comum usar como instrumentos de persuasão utilizar imagens de obras gregas, que eram tidas como ideal de beleza e que o povo alemão deveria e queria adotar.




Com isso, em 14 de julho de 1933, foi criada uma lei para esterilização de doentes. Desta forma o partido garantiria que tais “atrocidades, doenças, perversidades e calamidades” não seriam passadas para a hereditariedade. Todos os casos fora dos padrões nazistas passariam a ser tratados como peste ou doença que deveriam ser eliminados. Neste momento os médicos começam a ganhar notoriedade junto ao comandando nazista. A partir de uma exposição em 1935, na cidade Berlim, a categoria alcança o status de líder da política racial. Os médicos reforçam o pensamento do Nazismo: as maiores ameaças para o alcance de uma raça pura são os judeus, miscigenados (os ciganos faziam parte desta classe) e degenerados. A declaração de Hitler que “o maior princípio de beleza é a saúde”, demonstra o quanto o Führer seria capaz para banir o que fosse diferente do seu pensamento de estética, raça e ideologia. A própria lei de esterilização já indicava que o genocídio estava a caminho.

Hitler enxerga nos médicos uma forma de respaldar sua ideologia de extermínio, colocando os grupos que não representavam o seu ideal como doentes que deveriam ser tratados e depois esterilizados para estancar a semente do mal que traziam: o poder de perpetuar a espécie. Contando com total apoio de Hitler, a classe dos médicos foi a que mais cresceu dentro do Partido. Principalmente após um regulamento nazista que retirou médicos judeus de seus postos e desenvolveu a carreira militar dos novos filiados. Além disso, escolas passaram a oferecer curso de Medicina Nazista. Os médicos passaram a representar o maior número de membros do Partido.


Gerhard Wagner, médico-chefe do Terceiro Reich, tinha certeza de que iria satisfazer a vontade de Hitler: criar o novo homem alemão. Em 1935, na Reunião Nacional do Partido, Hitler confessaria ao médico o desejo de eliminar os “doentes incuráveis”. O Führer aproveita a ocasião para reforçar a ideia da necessidade de se criar um novo homem alemão. Foi nessa reunião que foram divulgadas as Leis de Nuremberg: Lei da Bandeira do Reich; Lei da Cidadania do Reich e a mais temida e responsável pelo extermínio de milhares de judeus, ciganos e homossexuais, Lei da Proteção do Sangue e Honra Alemães.


A exibição, em todas as salas de cinema da Alemanha, do filme “Vítimas do Passado”, idealizado por Wagner para disseminar o pensamento do Partido, provoca horror no povo alemão, que passa a ter aversão a todos os grupos considerados como uma ameaça e se torna definitivamente um aliado à perseguição realizada aos excluídos. Como no filme todos acreditam que o melhor a fazer é ser livrar das pestes e doenças que estavam sujeitos se permitissem a permanência e até a sobrevivência de tais grupos.


Hitler cada vez mais obcecado pela beleza física e estética aproveita todos os seus discursos para declarar que é impossível ter a Alemanha tão desejada sem as mudanças necessárias. Em 1938, Hitler pede intervenção do seu médico pessoal, Karl Bradt, para análise de um caso de uma criança que nascera cega, sem uma perna e sem parte de um braço. A eutanásia é a única indicação feita pelo médico. A partir deste caso a prática passaria a ser constante em casos semelhantes.


No dia 1º de setembro de 1939, começa a II Guerra Mundial. A Alemanha ataca a Polônia e algumas semanas após derrotar a Polônia, Hitler inicia o Programa de Eutanásia. Pessoas com deficiência passariam pelo Programa e logo depois Polônia virou um campo de experimento. Na prisão de Brandemburgo, Hitler aceitou a opinião do médico da SS (Organização paramilitar ligada ao partido nazista e a Adolf Hitler) e recomendou o uso letal de monóxido de carbono. Além disto, o formulário para preenchimentos de informações sobre raça, doenças, capacidade trabalho, religião e ficha criminal eram distribuídos em hospitais e asilos. Todos os pacientes deveriam preencher o formulário, que tinha um espaço reservado para a decisão do médico: se o paciente deveria passar ou não pelo Programa de Eutanásia. Os judeus eram os principais alvos deste assassinato. Com o tempo a equipe médica da SS passou a circular pelas avenidas vestidos com avental branco e aproveitavam para transportar os “pacientes” em ônibus com janelas pintadas para que não fossem vistos. Depois de algum tempo a morte os aguardava. Neste período a família recebia três cartas: a primeira justificando mudança de localização (devido à guerra), a segunda que o membro havia chegado bem e a terceira de condolências com causa fictícia da morte.

Em nome da purificação da “raça pura” a medicina alemã era a mais adiantada, mas este conhecimento científico respaldou uma série de atrocidades que iriam acontecer: “pacientes” encaminhados para a câmera de gás, corpos incinerados em crematórios, médicos falsificando a assinatura de presos em documentos sobre análise comportamental.


Em 1940 Hitler invade a França, em 1941 a Grécia e depois a União Soviética. Na antiga URSS Hitler faz milhares de prisioneiros judeus e já final deste mesmo ano o Führer percebe que a guerra tinha chegado num momento decisivo. Hitler, que queria modificar esteticamente todos os lugares ocupados, enfrentava dificuldades para manter a liderança diante das tropas ofensivas. Percebia também que seu sonho de dominação do mundo estava se esvaindo e que seria difícil manter e fazer todas as modificações que pretendera. Além disso, tinha que saber o que fazer com uma multidão de prisioneiros. Percebendo que iria perder tentou realizar, ao máximo, parte do seu sonho de expurgo dos grupos “degenerados”.


Assim, movido pelo ódio da destruição de seu sonho, Hitler lança a cartada final: doentes, homossexuais, ciganos e judeus são destruídos. Exterminados. Criam-se os primeiros furgões com câmara de gás, informando que eram carros para realizar radiografias dos pulmões, mas na verdade eram carros da morte. Depois criam locais, nas próprias áreas urbanas, para queimar os chamados “degenerados”.

Pouco tempo depois foi preciso mudar de localização, pois era frequente ver tufos de cabelos pelas calçadas e ruas e isso chocava a população. Surgem então os grandes campos de concentração com o objetivo de extinguir o maior número de vidas possível e da maneira mais rápida possível. Quanto mais rápido o extermínio, mais “degenerados” seriam encaminhados para a morte. Na tentativa de expurgar do mundo aqueles que não eram considerados puros estabeleceu-se um circulo vicioso de aniquilação. Um documento alemão registra o número de judeus encaminhados para as câmaras da morte: 11 milhões.


É triste pensar que a arte foi compreendida de modo tão equivocado a ponto de gerar tanto ódio, manter e sustentar por tanto tempo inúmeros crimes em favor de uma raça pura.


Fontes:
Documentário Arquitetura da Destruição


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