segunda-feira, 16 de junho de 2014

A doutrinação nazista

por Raphael Joppert

Após a morte de Hindenburg, ex-presidente alemão e principal adversário político de Hitler, em 1934, os caminhos ficaram livres para Adolph implementar de vez a doutrina nazista. Hitler era agora chanceler, chefe de Estado, chefe do partido, comandante supremo das Forças Armadas... o Führer (“chefe”, “guia”), de autoridade incontestável.
A sociedade toda teve de se adaptar ao novo poder. O recrutamento para as organizações nazistas se iniciava na infância: o pertencimento à “Juventude Hitlerista” (Hitlerjugend), que contava com 8,7 milhões de membros em 1939, era obrigatório entre os 10 e 18 anos. Alistavam-se para o trabalho obrigatório de seis meses após a maioridade e depois para o serviço militar. “Fora da casa dos pais e da escola, é na juventude Hitlerista que se de deve educar física, intelectual e moralmente a juventude alemã, no espírito do nacional-socialismo, a fim que ela se ponha a serviço do povo e da comunhão popular”, dizia o trecho da lei que obrigava o alistamento dos jovens, escrito por Hitler.
O plano de disseminação ideológica nazista não estava reservado aos meninos. As jovens ingressavam na Jungmädel, dos 10 aos 14 anos. Uniformizadas, praticavam esportes e freqüentavam cursos que já as preparavam para se tornarem boas mães de família. De 14 a 18 anos, passavam a integrar as tropas da União propriamente ditas. Depois, exceto para trabalhar ou cursar ensino superior, tinham duas possibilidades: fazer um curso profissionalizante de três anos em uma das comunidades de trabalho da associação Fé e Beleza, ou se prepararem para os “deveres maternais”, inscrevendo-se, por também três anos, nos cursos de prendas domésticas, culinária e higiene oferecidos pelo Serviço Nacional das Mães. O mundo do trabalho também era firmemente enquadrado: a Frente do Trabalho contava com 20 milhões de membros e estendia seu domínio até às atividades de lazer dos empregados, controladas pela organização Força para a Alegria (Kraft durch Freude).
O nazismo se imiscuía em todos os aspectos da vida cotidiana, dos nomes das ruas (cada cidade ganhou a sua praça Adolf Hitler) aos gestos repetitivos e onipresentes, como a saudação hitlerista obrigatória. Em 1935, Goebbels declarou: “O nacional-socialismo não é somente uma doutrina política, é um ponto de vista total que engloba todos os negócios públicos. Nossa vida inteira deve ser baseada nele. Esperamos que chegue o dia que ninguém mais precise falar do nacional-socialismo, pois ele terá se tornado o ar que respiramos”.
Os nazistas ambicionavam não somente exercer controle externo sobre a população; queriam também conquistar os corações e dominar os espíritos. Para realizar essa tarefa, o regime se apossou da cultura e das mídias. A política cultural nazista foi em primeiro lugar um amplo expurgo. Artistas condenados por sua origem judaica ou seu posicionamento político foram proibidos e estigmatizados através de ações espetaculares. Obras de autores acusados de espírito “não alemão” foram queimadas em Berlim pelos estudantes nazistas. Ao longo da década de 30, exposições que desprezavam a “arte degenerada” – a pintura expressionista, a música contemporânea e o jazz – apresentada como produto de espécies raciais mais baixas, foram organizadas em toda a Alemanha. O direito de exercer uma profissão artística ou jornalística estava condicionado ao pertencimento à Câmara de Cultura do Reich, o que permitia reduzir ao silêncio indivíduos considerados indesejáveis ou não adaptados. Assim, milhares de personalidades – as mais talentosas – tomaram o caminho do exílio.
Essa instrumentalização do meio artístico para a exaltação do poder caracterizou os produtos mais emblemáticos da política cultural do regime – a representação grandiosa das reuniões do partido em Nuremberg, imortalizada no cinema por Leni Riefenstahl (assista a um trecho no final da matéria), ou os gigantescos projetos arquitetônicos desenvolvidos por Albert Speer, arquiteto de Hitler, para as cidades alemãs do futuro. A arte nazista era antes de tudo a estetização da política levada ao extremo. E a exibição de suas representações foi tema central nas atenções do regime, levando ao controle e ao desenvolvimento dos meios de difusão, essenciais para transmitir a mensagem nazista ao conjunto da “comunidade do povo”.
Desde fevereiro de 1933, a imprensa fora submetida à censura. O Ministério da Propaganda, criado no mês seguinte e dirigido por Goebbels, ditava às mídias a linha a seguir e impunha uma homogeneização dos conteúdos. Graças a uma estratégia de fusões, nacionalizações e expropriação dos grupos pertencentes a judeus, os nazistas conseguiram controlar a maior parte das mídias. Em 1939, a editora do partido dominava mais de dois terços da imprensa alemã; a UFA, principal companhia de produção cinematográfica, tornou-se uma empresa estatal; o regime também se tornou dono de uma rádio, um meio de comunicação cuja popularização foi muito encorajada. Mais de 70% das casas alemãs eram equipadas com esses aparelhos em 1939. A voz de Hitler penetrava em cada casa, e moldava mentes.
Em alguns anos, os nazistas conseguiram concentrar em suas mãos todos os poderes e a exercer sobre a vida social e cultural alemã um controle que se pretendia total. Entretanto, essa constatação merece duas observações. Em primeiro lugar, a normalização da sociedade não era apenas o produto da violência repressiva e da pressão exercida do alto pelo partido e pelo aparelho de Estado. Envolvidos por uma onda de unanimidade que atingia camadas inteiras da população, que as organizações de médicos e de advogados demonstraram voluntariamente fidelidade ao regime, em 1933, e inúmeros clubes culturais e esportivos excluíram os judeus e os opositores. Mesmo quando surgiu, em meados dos anos 1930, um verdadeiro Estado policial cuja ação se libertou de qualquer resquício de legalidade, este continuou a depender muito da cooperação de alguns alemães comuns dispostos a denunciar seus concidadãos. Desse modo, o controle total foi também fruto das dinâmicas e de atores no interior da própria sociedade.


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